sábado, 18 de junho de 2011

Vida

Há algum tempo atrás passei por um senhor que sofria de câncer. Ele já não sentia mais o sabor do macarrão, não conseguia mastigar a batata cozida da sopa, e nem ao menos sentir o cheiro de roupa passada que tanto gostava.
Vê-lo me levou a não ignorar a vida, porém um novo câncer surgia.
Essa doença foi degradando cada partezinha do sistema. Sabe, aqueles tipos de doenças que você não consegue reconhecer muito bem o que é, e já nem se lembra mais por onde começou. Uma dor aqui, uma tontura ali, uma indigestão acolá. Os médicos procuram durante tempos, mas essa é uma típica doença incurável. Para encontrar a cura, se é que fosse possível, teria que começar desde de o principio. Embrenhar nas mentes sedentas de fome de viver, de conhecer "a" verdade. Luta esta, para encontra-la onde quer que seja, como quer que seja. E quando se dá conta, a doença já se espalhou.
Ao receber a notícia, normalmente as pessoas choram se atiram à morte, mas ele não. Ele não seria fraco, queria viver. Queria encontrar um caminho que pudesse ao menos descansar. 
A vaidade e orgulho cobriam os olhos, isso já estava moldado no doente, ele era apenas um pobre coitado que não enxergava, que não via a oportunidade surgir, e quando a avistava deixava que a levassem. Como porcos no leito de morte que gritam tanto e você nunca mais consegue esquecer. Como se aquele barulho penetrasse dentro da cabeça e nunca mais quisesse sair, foi assim, descrevia ele. Um pobre professor, usando a vida como se veste moscas as avessas. Enganando a morte. Mostrando os dentes paras as crueldades do desespero.
Já me refazia, e já pensava na vida com mais fervor.
Ah sobre a doença! Não sabia-se mais se era câncer ou alzheimer.
Uma breve descrição da sensação:
Levantando-se logo após um sono da tarde, não reconhecia o lugar onde vivera mais da metade de sua vida. Apalpava a escuridão, e sentia o ar escuro escorrendo pelas mãos magras de sede. Sentiu a maçaneta fria e redonda, abriu a porta de madeira que fazia um som oscilante e grave. Os olhos arderam diante da luz forte do dia, e aos poucos, a cada passo que se passava, lembrava-se de um detalhe, do quadro florido estampado na parede com tintas azuis e brancas, do lustre de cristais que brilhava a cada movimento breve do vento, dos pequenos rostos gravados nas fotografias sobre a estante, e finalmente se lembrou, que estar em casa, não era o que queria lembrar, mas o que devia estar acontecendo. Uma pena.
Pobre homem.
A dualidade foi sua maior táctica. Já não sabia mais onde começava a vida e onde acabava a morte. Onde terminava a vida e onde começava a morrer. Foi-se feito tudo escuridão.
Apenas consegui sentir suas mãos nas minhas, eram ainda macias e aveludadas, gritavam desesperadamente por socorro, seus lábios só pediam tocar os meus. Numa sensação de euforia e desespero permaneci fria. Talvez pudesse ter cedido mais. Ter olhado mais fundo em seus olhos, mas algo naquele senhor me fez congelar, e ficar intacta.
Desde então, respirei o que é sentir a vida, me tornei toda atenção, cada pequeno músculo escrevia um distinto pensamento, teias de tecidos vivos, alegres, penetrantes que só queriam viver.


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